OLHAR, ARQUITETURA, SENSIBILIDADE
Solange Valladão
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Em 2015, durante o Tirocínio Docente que fiz na disciplina Atelier I, pelo mestrado em arquitetura e urbanismo, senti que era importante diversificar as referências de estilos arquitetônicos que foram trazidas pelos estudantes, quando foi solicitado que pesquisassem e escolhessem, uma casa para ser usada como modelo, para elaboração de uma maquete.
Assim sendo, tomei também para mim esse exercício de pesquisa tentando ter “na manga” a possibilidade de apresentar um repertório mais diverso com relação ao local, ao sistema construtivo, aos materiais e ao partido arquitetônico adotados.
Isso me levou a conhecer e me interessar especialmente, pela arquitetura contemporânea praticada na África por arquitetos africanos e de alguns outros países – não encontrei ainda arquitetas, ao menos não como chefes de equipe. Em comum, eles têm como princípio o uso de materiais e sistemas construtivos relacionados ao local das obras, como também aos seus aspectos sociais. Sendo esses três critérios (social, sistema construtivo e material de construção) determinantes para as soluções arquitetônicas, estruturais e de instalações complementares que foram adotadas, em conjunto ou não com tecnologias e materiais industrializados. A introdução destes últimos é decidida de acordo com as condições locais e suas possibilidades no contexto mais geral dos parâmetros implicados na produção de uma obra (orçamento, programa, terreno, prazos, logística, etc.)
Nesse período, me despertou especial interesse as obras do arquiteto Francis Kéré em Burquina Faso (noroeste da África). Nascido neste país, ele se formou na Universidade Técnica de Berlim, Alemanha. Através da Fundação que leva seu nome, Keré promove projetos sociais na sua comunidade de origem e na região oeste da África, usando materiais e técnicas locais integrados com outros industrializados, criando uma expressão arquitetônica muito particular e bonita.
Recentemente, retomei os trabalhos de Kéré, ao fazer uma pesquisa mais específica sobre arquitetura que usa terra como material construtivo. Com essa nova chave, surge um universo de projetos contemporâneos na África, que é realmente surpreendente e estimulante.
Destes, o exemplo que mais me impressionou, reúne diferentes aspectos das coisas que me proponho a tratar neste blog: arquitetura, arte, cultura, política e fotografia. Quando falo assim, pode parecer que vou falar de um megaprojeto de algum espaço multi-qualquer-coisa. Mas é no oposto disso, que está a grande sensibilidade do projeto das casas da Vila Magoda, na Tanzânia, feito pelo escritório Ingvartsen Architects da Dinamarca.
Um aspecto da questão cultural, já aparece ao se estabelecer uma relação de troca de conhecimentos para elaboração do projeto, estabelecida entre profissionais de diferentes campos da Dinamarca e da Tanzânia, mas vai além, quando incorpora elementos construtivos oriundos da tradição asiática, para solucionar questões de salubridade e arejamento, importantes no clima tropical.
O Projeto Magoda é parte de uma pesquisa empreendida pelos arquitetos do escritório Ingevartsen, sobre a contribuição da arquitetura para minimizar doenças, buscando no intercâmbio entre a cultura local e outras culturas, elementos de diversas tradições construtivas que podem se unir e complementar, oferecendo soluções mais efetivas para a proteção da saúde das famílias em zonas rurais – como no caso – onde não há ainda luz elétrica, água encanada e rede de esgoto.
Prover esse tipo de atenção mínima, como salubridade e saneamento, são questões políticas fundamentais para área social. Não nos falta no Brasil, exemplos práticos de alternativas para atender a essas carências básicas que, infelizmente, ainda não foram massivamente incorporadas nas políticas públicas para populações de baixa renda, nas zonas rural e urbana. Esse é o tipo de pauta política que tem mobilizado grupos sociais diversos em uma trajetória longa de luta pelo efetivo compromisso social das nossas representações políticas, nas diversas instâncias do poder público. Mas sabemos que tanto lá como aqui, essas soluções são pontuais (e esperamos que embrionárias), dentro de uma grande demanda por esse tipo de atenção.
As oito casas protótipos, projetadas e construídas na Vila Magoda, se organizam em dois níveis (não sempre em dois andares), e tem a combinação do maciço das paredes em bloco de terra no nível térreo e do fechamento mais arejado com parede e esquadrias em madeira ou bambu no nível elevado. Ao reunir a tradição construtiva local, que usa blocos de terra, com os elementos de vedação em madeira e bambu tradicionais da cultura asiática, complementados com telas anti-mosquito verdes, fornou-se um contraste com a colorido do vestuário de seus moradores. Surgem assim, imagens com texturas e cores de grande inspiração artística, e que foram captadas com muita sensibilidade nas fotos do arquiteto Kostantin Ikonomides.
Sobrepondo a tudo isso, é especialmente impressionante para mim, a beleza do olhar e da expressão das pessoas fotografadas. Crianças e adultos com uma expressão tão autêntica e cada vez mais difícil de se ver diante de uma câmera fotográfica, especialmente em tempos de fotos com câmera de celular. Pessoas de expressão suave e compenetrada, mas sem deixarem de ser despojadas em mostrar a simplicidade de sua casa e dos seus pertences. São de uma tal verdade em ser o que são, que me transmitem uma beleza humana emocionante.
Fotos: Konstantin Ikonomidis
Outras fotos muito bonitas da Vila Magoda feitas Konstantin Ikonomidis Referências: Ingevartsen Architects Kéré Architects ZILLIACUS, Ariana. Como a combinação da arquitetura tradicional africana e asiática pode aumentar a qualidade de vida na Tanzânia rural. Portal Archdaily. Publicado em: 29/10/2016. Disponível em: . Acesso em 28/02/2018
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